Metanfetaedro



Título: Metanfetaedro
Autor: Alliah
Editora: Tarja Editorial
Páginas: 232
ISBN: 978856154154

Iara, sereia transfigurada em humana, possui cabelos esverdeados e o corpo nu é de um verde-água, sujo pelo esgoto. Já Mogul tem a pele preta feito carvão e olhos amarelos amassados por alguma doença, ele veio traficado da África. Cercados por gigantes carcaças de metal velho e fedorento que buzina sem parar, fazem malabarismo nos sinais com frutas ou cabeças de animais mortos. Roubam comida, bebida, dinheiro e paciência. Cheiram cola e fumaça. Suas existências são ignoradas em meio ao cinza apodrecido sobre o cinza nevoento. O lixo e a lama brilham, o circo chegou na cidade! Ele pinta as ruas e agita os viadutos, acumulando purpurina no meio-fio e trazendo criaturas assustadoramente felizes.

Enquanto isso, a irmã de Marmelo, irmão de Mogul, é vendida aos traficantes em troca de um naco de pão duro e fatias de carne. Esse é o preço da sua violação. Crianças são fáceis de fabricar, quando a fome apertar talvez seus pais façam mais uma. Marmelo grita pelo nome da irmã enquanto mata os pais, passa um ano, segura um fuzil. A matança para a qual é preparado não passa de diversão. Os espectadores estão ali: uma elite sádica. Marmelo marcha, acovarda-se, é violado, enlouquece. O estômago urge, pólvora, canibalismo. 

*

Agora imagine um capricho de uma metrópole. Ela sonhou um dia com seus metais. A cidade ficou recheada de prédios lamentosos e estruturas retorcidas, ela consumia, mastigava e sugava as energias de suas vítimas, aqueles que não obedeciam a Cidade e a frieza de seus prédios doentes. 

Um patrulheiro que violara as fronteiras, um soldado que acordara metamorfoseado: uma dupla improvável. A busca: uma cidade lendária (uma outra dimensão?). O caminho: demônios, variáveis, lutas. 

Virar algo que não existe. Sonhar com algo que não é. Desespero. Quem sonhou primeiro?

*

Nas calçadas largas disputam o mesmo espaço fedido humanos, ciberoganiformes, animorfos, translienígenes e pacotes de consciência vaporizadas. Nas portas do ZooSex são poucos os que param e os que param são atendidos por uma mulher-raposa de seios à mostra e calça de vinil.

Época de reeleição do Governador, as coisas não andavam bem, como não andavam desde o surgimento de uma nova identidade na praça, os translienígenas, alvos de preconceito e agressões em meio aquela sociedade caleidoscópica, onde ciberorganiformes e animorfos haviam sido "tolerados" recentemente por grupos conservadores e extremistas. 

"Originalmente assexuados e provenientes de uma cultura extraterrestre em que a sexualidade era inexistente e a reprodução dava-se através de uma forma complexa da cissiparidade, os alienígenas que aportaram na Terra havia algumas tortuosas décadas devido a um acidente viram-se imersos num mundo extremamente sexualizado." (p. 90)

Conforme iam penetrando entre os terrenos, humanos orgânicos e modificados vinham absorvendo sua diversidade e ansiando por seus prazeres. Logo muitos imigrantes decidiram submeter-se a cirurgias que lhe dariam um sexo, identidade biológica de gênero essencialmente humana. 

Os transaliens viviam à margem da sociedade e aqueles que haviam feito a cirurgia foram obrigados a se mudar para um bairro isolado no subúrbio, um buraco imundo e esquecido chamado Roulette. 

Translienígenas começam a ser sequestrados e o criptoaçougue parece funcionar além de sua função principal. Para resolver este caso, ninguém melhor que Morgana Memphis: ex-rockstar, ciberorganiforme e apresentadora do programa Shot de Cianureto, com quem vive suas aventuras ao lado de Amadahy, uma mulher metade humana de descendência cherokee e metade reconstruída a partir de engenharia biotemporal, cheia de tatuagens, geralmente seminua e com um cocar branco gigante na cabeça. 

"- Só um minuto, rapazes - ela respondeu, deixando-os apreensivos como crianças. - Certo. Então ela passou por aqui. Ótimo. Lembra se ela estava com alguém e em que direção ela foi? Ou se houve algum incidente? 
- Ela tava falando com umas freiras esquisitas, e depois acho que foi na direção do criptoaçougue do Tutano. 
- Freiras... Que freiras?
- Sei lá, porra. Freiras são freiras, pra mim é tudo a mesma merda. Ainda mais com quinhentas religiões novas surgindo a cada segundo, e tudo com isenção fiscal e privilégios territoriais. Depois reclamam de orgias animorfas..." (p. 93)

*

"- Que lugar é esse? - perguntei enquanto sentava-me no banco.
- É o brancaverso, uma tela vazia esperando alguma ideia - ele respondeu sem mover um parafuso." (p. 211)

Metanfetaedro, de Alliah. O que escrever? Como exprimir em palavras as sensações que em mim foram despertadas através deste livro? Minha mente realmente viajou para lugares fantásticos, inesperados, vertiginosos, frios, lamacentos, arenosos, espaçosos, claustrofóbicos e outros tantos lugares sem igual e, certamente, diferentes de todos os que já visitei. Imaginem só a minha reação! Espanto, felicidade, tristeza, raiva, nojo, êxtase. Uma gama enorme de reações para um único livro e oito contos, nem todos mencionados durante a resenha.

Metanfetaedro é o tipo de leitura "tapa na cara, soco no estômago", um convite para aqueles que querem se perder ou se encontrar, como Cristina Lasaitis escreve no prefácio da obra, nos lisérgicos mundos de Alliah.

O senso comum está fora de questão aqui: prepare-se para uma boa dose de licor de frutas azuis. Alguns costumam chamá-lo de fluxo de ideias. Aproveite para se deliciar com uma diagramação perfeita que conta com ilustrações da própria autora, também artista visual. Boa viagem!

Obs.: Provavelmente você não voltará o mesmo.  

Um comentário:

  1. Parece ser um livro bem diferente, não sei nem que palavra usar para descrevê-lo, mas com certeza é interessante. Sai da rotina e segue uma linha bem original. =) Gostei.

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